Extratos de O Reino de Deus está em nós (1895), de Tolstói:
"O operário de nosso tempo, ainda que seu trabalho seja menos penoso do que o do escravo antigo, ainda que obtenha a jornada de oito horas e o salário de poucos rublos por dia, não deixaria de sofrer porque, fabricando objetos dos quais não usufrui, trabalha não para si e voluntariamente, mas por necessidade, para a satisfação dos ricos e dos ociosos, e para o proveito de um só capitalista, proprietário de fábrica ou de indústria. Sabe que isto ocorre num mundo em que é reconhecida a máxima científica de que só o trabalho alheio é uma injustiça, um delito punido por lei, num mundo que professa a doutrina de Cristo, segundo a qual somos todos irmãos, e que não se reconhece ao homem outro mérito senão o de vir em auxílio do próximo, em vez de explorá-lo.
Ele sabe tudo isso e não pode deixar de sofrer devido a essa flagrante contradição entre o que é e o que deveria ser.
[...]
O homem da classe que se diz culta sofre até mais com as contradições da vida. [...] O homem dotado de uma consciência impressionável não pode deixar de sofrer com tal vida. O único meio para livrar-se desse sofrimento é impor silêncio à própria consciência; mas se alguns conseguem isso, não conseguem impor silêncio a seu medo.
[...]
Mas todos sabemos como são feitas essas leis. Estivemos todos nos bastidores: sabemos que são geradas pela cobiça, pela astúcia, pela luta entre os partidos; que nelas não há e não pode haver justiça real. Por isso, os homens de nosso tempo não podem crer que a submissão às leis sociais e políticas satisfaça às exigências da razão e da natureza humana. Os homens de há muito sabem que é irracional submeter-se a uma lei cuja verdade é dúbia e, portanto, não podem deixar de sofrer ao se submeterem a uma lei cujo bom-senso e cujo caráter obrigatório eles não reconhecem.
[...]
Cada homem de nosso tempo, se penetrarmos na contradição entre sua consciência e sua vida, encontra-se na mais cruel situação. [...] Essa contradição, requinte de todas as outras, é tão terrível que viver participando dela só é possível caso não pensemos, caso a esqueçamos. [...] Só essas razões podem explicar a intensidade terrível com a qual o homem moderno procura entorpecer-se com o vinho, o fumo, o ópio, o jogo, a leitura dos jornais, com viagens e com toda espécie de prazeres e espetáculos. [...] E todos os homens de nosso tempo encontram-se nessa situação; todos vivem numa contradição constante e flagrante entre sua consciência e sua vida".
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