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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

"Professor, o que é personalidade?"

Encerro perplexo o dia de hoje.

Venho trabalhando imaginário e mitologia com minhas turmas de 6° e 7°ano e propus uma atividade para que meus alunos criem um monstro e um herói, orientados por uma ficha, visando a posterior elaboração de uma narrativa ficcional. 

A pergunta que mais ouvi ao longo do dia foi: "Professor, o que é personalidade?" 

Encontrei extrema dificuldade para me fazer entender por alguns estudantes. Não conseguiam perceber a diferença entre uma característica física, como "forte" e outra de ordem psíquica, como "corajoso". A maneira que melhor encontrei para tornar a diferença mais inteligível foi opondo "características do corpo" a "características do coração ou da alma".  Alguns pareciam confusos com a própria definição de "característica". 

Em dezesseis anos de magistério já vi muita coisa espantosa, mas o episódio de hoje me pareceu particularmente perturbador. 

Me pergunto quanto deve ser difícil para um ser humano conquistar o mínimo de autoconhecimento, de capacidade de reflexão sobre si mesmo e sua vida, sem dominar palavras e noções tão essenciais para isso, como "personalidade" ou "característica". 

Me parece extraodinariamente difícil avaliar o impacto de semelhante empobrecimento de vocabulário não apenas sobre os estudantes propriamente ditos, mas também sobre o ambiente social em que vivem. Soa como algo quase orwelliano.

Nos últimos meses o mundo vem se mostrando perplexo com o chatbot ChatGPT, capaz de gerar textos complexos (embora superficiais) cosendo retalhos textuais extraídos de sua imensa base de dados.

É inquietante viver em uma época em que máquinas absolutamente inconscientes sejam capazes de "redigir" textos por inteligência artificial (simulacro que sempre tem muito mais artifício que inteligência) e, ao mesmo tempo, jovens humanos mostrem tamanha dificuldade para compreender palavras e noções não apenas corriqueiras, mas imprescindíveis ao desenvolvimento de suas consciências, em suas múltiplas dimensões. Alienados de ferramentas cognitivas tão poderosas, se alienam de si mesmos e, consequentemente, do mundo. 

Mais espanto que os avanços da inteligência artificial deveriam causar as graves perdas culturais coletivas, que minam nossa capacidade de expressão, comunicação e convívio. 

Um dos grandes desafios de nossa época, mais que nunca, parece ser o de reconhecer, resgatar e cultivar nossa maravilhosa capacidade de nos fazermos plenamente humanos. Nesse tempo em  que as máquinas parecem permear tantos aspectos da experiência humana, os apelos de Erasmo de Roterdã e Pico Della Mirandola se mostram não apenas atuais, mas urgentíssimos. Precisamos humanizar nosso presente, para que o futuro valha a pena ser vivido; para que não nos tornemos pessoas controladas por máquinas controladas por outras pessoas, como diria Frank Herbert - pois é exatamente disso que se trata. 

Dentro de cada um de nós dorme um potencial tremendo; que não nos faltem a sabedoria e a coragem para desperta-lo.



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