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sábado, 4 de janeiro de 2020

O que penso do Brasil

Reflexão adaptada de correspondência pessoal

Quanto ao que penso do Brasil... Olha, nem sei mais o que pensar!

Estou concluindo a leitura de um livro sobre Euclides e Canudos (Euclidiana, de Walnice Nogueira Galvão) e muitos elementos me deixaram profundamente pensativo sobre as correntes mais "subterrâneas" de nossa formação nacional. Uma das coisas que me "chocou" foi me dar conta do quão próximos ainda estamos de Canudos - nunca tinha me apercebido de que o Arraial de Canudos foi esmagado em outubro de 1897 - minha bisavó, que cheguei a conhecer, nasceu dois meses depois. Entre Canudos e nós, há poucas gerações. 

Me fez pensar num vizinho de minha avó, que já nos anos 1950 dizia que a situação do Brasil era "culpa da Princesa Isabel" - o mundo à beira da corrida espacial e o sujeito ainda não tinha digerido a Abolição! Fico pensando que esse camarada deixou por aí filhos e netos, cuja formação cívica bem imaginamos. Não duvido que esses 20-30% de eleitores ultrabolsonaristas sejam simbolicamente netos desse vizinho de minha avó.

Voltando a Canudos, o livro tem um ensaio muito interessante acerca da correspondência do barão de Jeremoabo, um figurão baiano da virada do Império para a República, que tinha quase 60 fazendas só na Bahia, mais algumas em Sergipe, influência na política nacional, uma vasta rede de compadrio e muitos correspondentes em território baiano. Entre a correspondência passiva do barão se encontram verdadeiras barbaridades no que concerne a Canudos. 

Em uma das cartas mais chocantes, um dos missivistas se revelava descontente com o fim da campanha - segundo ele, o Exército "degolou pouco"; pior ainda, lamentava que as mulheres e crianças sobreviventes do arraial tivessem sido poupadas, pois representariam apenas despesas para o Estado. O mais chocante não é a carta em si, mas o fato de quão atual ela soa aos nossos ouvidos. Não é substancialmente diferente do que vemos por aí na Internet, nas redes sociais, no jornalismo policial, em certas igrejas neopentecostais ou até nas tribunas parlamentares. Consigo perfeitamente imaginar certos políticos brasileiros articulando o mesmo tipo de pensamento que o obscuro correspondente do barão de Jeremoabo.

Nosso passado é sombrio e deixou em nossa formação cultural sombras que se projetam com redobrada força ao menor sinal de crise, como feras sempre ameaçando fugir da gaiola onde sustentamos temporariamente a ilusão de tê-las definitivamente aprisionado. Há em nossa cultura (et pour cause) uma pulsão de morte que, até agora, não fomos capazes de domesticar. O Brasil de Bolsonaro, penso eu, é apenas um epifenômeno derivado desses traços culturais de longuíssima
duração. 

Me pego pensando em Sérgio Buarque de Holanda, que dizia que uma das tarefas do historiador seria "exorcizar os fantasmas do passado". É um desafio e tanto. Precisamos cultivar uma mentalidade mais saudável. Provavelmente seria obra de séculos e talvez seja empreendimento além das forças humanas, mas, como pessimista esperançoso que sou, estimo ser preferível morrer tentando, como "o velho louco que desejava mover as montanhas", do folclore chinês.

Enfim, é o que consigo pensar do Brasil no presente momento.


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