É com grande satisfação que falo de Sangue Azul, cuja autora é minha amiga de longa data, Ana Carolina Delmas. Por sinal, o livro mostra que, embora tenha se tornado doutora em História, continua sendo a menina com fichário do Harry Potter que conheci na graduação.
O romance narra as aventuras de Olivia Spenser, jovem melancólica e solitária que descobre um oculto mundo de magia, habitado por criaturas fantásticas e fascinantes. Não revelo mais para não estragar as surpresas do leitor!
A trama se desenvolve em ritmo vertiginoso, lembrando algumas das aventuras de Tintin - mal dá para acreditar que a autora conseguiu desenvolver uma narrativa tão densa em cerca de 400 páginas! O livro desperta a curiosidade desde os primeiros parágrafos e é difícil interromper a leitura, pois a história apresenta inúmeros momentos climáticos e muitas reviravoltas.
No entanto, é interessante observar que, apesar do rápido ritmo, a narrativa nos conduz aos poucos e de maneira bastante orgânica da Londres contemporânea ao mundo mágico, numa transição quase imperceptível, à moda das lendas celtas e dos romances medievais. Por sinal, um dos pontos fortes de Sangue Azul é a maneira pela qual entrelaça o "nosso mundo" ao universo da magia de modo espontâneo e convincente, sem rupturas abruptas ou descontinuidades flagrantes: celulares e trens de alta velocidade aqui convivem harmoniosamente com unicórnios ou centauros - sem falar nos fofos talulos.
A protagonista é uma personagem encantadora e é instigante acompanhá-la em sua jornada mágica. O elenco do romance é imenso, e há diversas figuras e criaturas interessantes, entre as quais destaco a cativante mantícora Baruk Naveen, cujo desenvolvimento na trama é surpreendente. Também gostei muito de Sir Benjamin Knightley, personagem desaparecido desde o início do livro, mas cujas marcas povoam o mundo mágico e cujos feitos passados afetam o rumo da história, tendo uma presença talvez mais forte pelo modo como se sente sua ausência - um feito literário considerável.
Muitos dos personagens (a maioria, na verdade) são imortais, com séculos de existência e aí a formação de Ana como historiadora faz a diferença, entremeando suas trajetórias de vida com diversos momentos históricos. Destaco ainda que o mundo elaborado pela autora se apropria de modo bastante criativo e original de diversas influências mitológicas e literárias, constituindo um bom exemplar daquilo que Tolkien propunha como "subcriação".
Por fim, é bom ver uma escritora brasileira produzindo um romance que não se veja estreitamente atrelado a temas "nacionais", como acontece tão frequentemente, embora esse mundo mágico tenha me parecido um tanto "eurocêntrico" - quem sabe numa continuação Olivia e Nicolas não poderiam encontrar o curupira ou a mula-sem-cabeça?
Concluo com uma passagem de que gostei muito, e que resume o espírito do livro:
"Acreditar não é um processo fácil. Eu testemunhei muitas coisas, vivenciei muito e ainda assim posso afirmar que conheci apenas uma pequena parte do que existe. [...] Por sorte, mente e conhecimento são ilimitados, têm franca e infinita capacidade de expansão".
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