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domingo, 24 de junho de 2012

Aventuras na Bretanha - episódio I: Rennes

Ontem realizei um sonho: visitar a Bretanha francesa - também conhecida como "Pequena Bretanha" na Idade Média, em oposição à "Grã-Bretanha". Aguardava esse momento desde os 15 anos de idade... Meu primeiro "ataque" foi em Rennes, mas já tenho outras incursões programadas! A viagem foi tão emocionante que precisarei dividir o post em partes!

I - Na trilha dos celtas

Como se sabe, a Bretanha é um dos últimos centros de cultura celta ainda viva, especialmente devido à manutenção da língua bretã. Visitar Rennes, especialmente o Musée de Bretagne, foi uma experiência fantástica nesse sentido!

A fabulosa exposição permanente se propõe a apresentar cronologicamente a história da região através de inúmeros artefatos, desde a Pré-história aos dias atuais. Para um apaixonado pela cultura celta, foi uma experiência simplesmente indescrítivel. Particularmente instigante foi a possibilidade de seguir ao fio do tempo as transformações da cultura material na Bretanha e perceber o quanto uma herança celta e galo-romana se constituiu não exatamente através de permanências puras e simples, mas de um constante processo de reinvenção que continua até hoje.

Nesse sentido, o que mais atraiu minha atenção foi justamente observar as peculiaridades da arte bretã medieval, em perspectiva comparativa às obras que pude ver no Louvre. Nunca havia dedicado muita atenção à produção medieval de origem céltica, uma vez que sempre me interessei mais pela cultura celta da antiguidade, pelos "irredutíveis gauleses" contemporâneos de Astérix!

A arte da Bretanha na Idade Média é obviamente muito parecida com o resto da produção europeia da época, mas é nítido que sob as mesmas convergências e convenções estilísticas românicas ou góticas, a arte da região soube manter características perceptivelmente "célticas"; o mesmo vale para as expressões do período romano, com um inconfundível "traço" local. Indo além, encontramos um mesmo meneio céltico na época moderna e na contemporaneidade, particularmente no que diz respeito ao entalhe em madeira. Fiquei particularmente impressionado também com as capas de chuva de pescadores, usadas no século XX, que lembram muito os famosos "genii cuculati" da arte galo-romana.

No fim das contas, fica a dúvida: foi a Bretanha céltica que se apropriou de outras expressões culturais ou as tradições posteriores que se apropriaram de um substrato celta? Me parece que nenhuma das duas formulações dá conta adequadamente dessas longas e complexas interações culturais ao longo de dois mil anos...

Talvez nada sintetize melhor essas questões que essa emblemática combinação heráldica sobre a porta de um edifício do século XVII onde hoje funciona um liceu: o arminho da Bretanha e a Flor-de-lis da monarquia francesa lado a lado, em simétrica equivalência...


II - As impermanências do espaço

Há muito tempo atrás, Rennes era uma cidade murada, como a maioria das aglomerações urbanas europeias. Nessa época, a principal porta da cidade era a "Porte Mordelaise", diante da qual, segundo a tradição, os duques da Bretanha deviam prestar juramento de proteger a liberdade do povo bretão, como parte de sua sagração. Era também através dessa porta que aconteciam as entradas reais e episcopais na cidade, acontecimentos de grande importância para a sociedade de Antigo Regime.

 Porte Mordelaise vista "de fora"
 Porte Mordelaise vista "de fora" (detalhe)
Porte Mordelaise vista "de dentro"

O conjunto das muralhas de Rennes foi obra dos séculos, iniciando-se no século III d.C., com as crises do Império Romano, que tornaram necessárias estruturas de proteção da cidade, vulnerável ante episódios de violência de saqueadores famintos. Ao longo da Idade Média esse complexo defensivo aumentaria gradativamente, até o século XV. Após mais de um milênio de trajetória, as defesas de Rennes em sua máxima extensão contavam com doze portas e dezesseis torres.

No entanto, o desenvolvimento da artilharia pesada e principalmente a união do Ducado da Bretanha à coroa francesa tornaram tais edificações inúteis, sendo demolidas ou simplesmente se desmantelando com o passar dos séculos. Atualmente restam apenas a Porte Mordelaise e a Tour Duchesne (abaixo).
Também a Tour Duchesne tem uma curiosa história: durante séculos foi local dos jogos de "papegaut" em Rennes. Costume surgido na Idade Média,  esses jogos eram competições de companhias de arqueiros, onde uma ave de madeira ou papelão - o "papegaut" - era afixada no alto de um mastro ou de uma torre. Todos os arqueiros tentavam acertar o alvo, e o primeiro que conseguisse recebia o título de "roy du papegaut" e um prêmio invejável: um ano de isenção de impostos! Posteriormente o costume foi incorporado às companhias de arcabuzeiros, caindo em desuso apenas no século XVIII. Poucas cidades, entretanto, obtinham o "privilège de papegaut".

Como se vê, a porta e a torre não eram lugares ordinários, marcando eventos importantes para a cidade ou para o Ducado da Bretanha, que reforçavam seu prestígio social e importância política. Contudo,  muita coisa mudou... Pedindo informações, ninguém sabia o que era a "Tour Duchesne", ou melhor, ninguém reconhecia o topônimo. A torre tão importante, símbolo de um privilégio da cidade, se tornou apenas uma edificação anônima...

Por outro lado, a experiência de cruzar a Porte Mordelaise me pareceu muita curiosa, por um motivo: ela perdeu completamente seu significado original! Afinal de contas, o ato de passar sob seus arcos significava entrar na cidade, não apenas em seu sentido físico e material, mas também simbólico; significava provavelmente gozar da segurança, do prestígio e do privilégio ligado ao interior da enceinte de Rennes. Não é difícil imaginar o quanto de alívio sentiam as pessoas que adentravam o recinto amuralhado numa época em que a região era infestada por bandos de salteadores que não hesitavam em atacar mesmo próximo às muralhas da cidade!

No presente, a distinção entre "dentro" e "fora" deixou de existir, uma vez que a cidade cresceu e a própria muralha enquanto divisor espacial perdeu seu sentido original. Assim como a ausência "densa" da Bastilha é testemunho de transformações sociais significativas, a Porte Mordelaise e a Tour Duchesne se tornaram testemunhos da ausência "sutil" de uma relação humana com o espaço urbano que se perdeu.

2 comentários:

Rogério Marques disse...

Agora percebo melhor seu fascínio pelas Idades Média e Moderna.

É sempre curioso vislumbrar como em muitos casos o tempo e o curso da História obviamente, não poupam as tradições e destroem os significados.

Não que isso não deva ocorrer. Afinal, quem sente falta dos salteadores de Rennes?

No entanto, em determinados casos fica impossível não sentir a melancolia.

ps. Em certos bairros do Rio de Janeiro uma Porte Mordelaise e a Tour Duchesne seriam bastante úteis.

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Pois é, ninguém sente falta dos salteadores... No Rio, de fato, também tem muitas coisas de que não sentiremos falta caso desapareçam... Teremos essa sorte? Socorro, Luís XIV!rs